29 de out. de 2008

Realidade

Foi uma notícia na televisão. Um senhor encontrou uma valise cheia de notas de dólares, cerca de um milhão, e decidiu tentar encontrar o dono.

- Puxa, isso é que é caráter. - disse Karmem – Você não faria o mesmo?

- Ah, não sei... Não estou vivenciando a situação...

- Quer dizer que você tem dúvidas sobre o que faria?

- Acho que sim, quer dizer, quem é que pode saber quando ainda não aconteceu, né?

- Bem que minha mãe sempre diz que você é um bundão que não tem opinião decidida.

- Tá bem, eu digo. Eu ficaria com o dinheiro.

- Como assim? Você ficaria com o dinheiro todo para você?

- Um milhão de dólares? Mas é claro!

- Eu não acredito! Como você ia ter coragem? Vai que esse dinheiro é de algum aposentado, que passou vida inteira economizando para garantir a velhice...

- Pois então, eu faria um favor a ele, que não ia ter condições de aproveitar o dinheiro direito.

- Você seria capaz de uma barbaridade dessas? Coitado do velhinho! Podia ser seu avô!

- Então a coisa muda mais ainda de figura; se fosse o meu avô, eu estaria apenas adiantando a herança, ué! O dinheiro seria, por assim dizer, meu de direito! E além do mais, que aposentado no Brasil que consegue juntar um milhão de dólares? É mais fácil essa valise ser de algum traficante.

- Então, você levaria o dinheiro à polícia?

- Mas é claro que não! Nesse caso, menos ainda!

- Como assim, você ia ficar com esse dinheiro sujo?

- Não, eu ia gastar muito bem!

- O dinheiro que veio de pobres crianças inocentes coagidas pelo narcotráfico?

- E qual é o problema?

- Qual é o problema, você me pergunta? Muito problema! Eu jamais imaginaria que o homem que eu escolhi para ser pai dos meus filhos fosse tão egoísta! Sinceramente, não sei se essa relação vai dar certo.

- Mas o que foi que eu fiz de errado agora?

- O que você fez de errado? Primeiro, tenta extorquir dinheiro de um pobre velhinho aposentado, quiçá o seu próprio avô, e nem assim se sensibiliza, depois aceita propina de um traficante e ainda me pergunta o que fez de errado? Está tudo errado! Aliás, errada estou eu, de ficar com um homem capaz de deixar os outros passando fome para ficar com o dinheiro!

- Mas, Karmem, é um milhão de dólares!

- É, e pelo jeito para você mais vale um milhão de dólares do que eu.

- E o que você queria que eu fizesse com o dinheiro?

- Isso não importa. Você não tem que mudar só para me agradar. Não sou eu quem vive a sua vida. Aliás, começo a perceber que talvez seja melhor sair dela. E nem vem com esse braço! Vai lá, abraçar o seu milhão de dólares, vai.

- Karmem, você se dá conta de que nada disso aconteceu?

- Pior ainda! Quer dizer que nem no plano das idéias você é capaz de fazer o que é certo! Imagine na vida real!

- E quando é que na vida real aparece uma maleta com essa dinheirama toda?

- Não importa. O que importa foi o que você pensou.

- Tá, qual seria a coisa certa a se fazer, então?

- Não existe o certo, nem o errado. Mas isso mostra sua verdadeira personalidade.

Karmem já não me olhava nos olhos e uma discreta lágrima escorreu por seu rosto.

- Você sabe que tudo que a gente faz na vida um dia paga de volta. Acho que você ignora isso no seu ceticismo – continuou.

- O que você está querendo dizer? Que a maleta seria um teste divino?

- Se seria um teste, eu não sei. Só sei que você certamente não passaria. Aliás, é melhor mesmo você gastar o dinheiro todo em protetor solar fator 50, já que depois vai passar a eternidade queimando em frente a um jato de azeite quente, amarrado à grelha do inferno.

Karmem nunca exagerava.

- Olha, quer saber mesmo o que eu faria com esse dinheiro? – arrisquei, bolando um plano para sair do clima de discussão e entrar no clima de fazer as pazes.

- Vá em frente. Mas lembre que, em algum lugar, senão no meu próprio coração, todas as coisas ficam registradas.

- Pois eu iria contratar um avião para escrever “Karmem eu te amo” no céu. E depois esse avião iria descer e, despejando pétalas de rosa, eu pularia de pára-quedas dele para cair aos seus pés e convidá-la a subir num balão, que nos levaria até a Índia e casaríamos numa cerimônia indiana secreta. Pronto, é isso que eu faria com o milhão. Gastaria para concretizar todos os seus sonhos.

- Mas porque você não disse isso antes?

- Ah, era para ser surpresa. Mas agora eu estraguei tudo. Vou ter que pensar em outra coisa...

- Você faria tudo isso por mim?

- Mas é claro! Foi a primeira coisa que me passou pela cabeça.

E então o choro começou, mais forte ainda.

- Mas o que foi agora, Karmem? Você preferiria um casamento árabe?

- Como eu fui injusta com você, docinho! Você só ia querer me agradar?

- É só o que eu faço ganhando bolsa-auxílio de estagiário, imagina com um milhão...

- Isso é a coisa mais bonita que alguém já teria feito por mim! Como eu fui injusta! Eu sou uma monstra! Me perdoa!

E naquela noite, enquanto Karmem sonhava com seu casamento à indiana, cheio de aromas e símbolos orientais, eu fechava os olhos e pensava no super sabre de luz eletrônico com luzes e sons que eu compraria... Ah, se eu tivesse achado aquela mala!

Um comentário:

henrique teixeira disse...

Não sei... dizem qeu dinheiro não tem dono... coração tem?

xx henrique teixeira
PS: Não sei porque disse isso... acho qeu to meio balançado...risososo