27 de abr. de 2009

Comunicação

O mais prático de namorar Karmem era nossa facilidade com a comunicação.

- É simples. O ônibus vai pela avenida. De um lado tem o mar e do outro a cidade. Você vai ver um posto de combustível, que é oposto ao mar.

- É o posto Almar, Karmem?

- Isso. Aí, vai ver um mercadinho, que também é oposto ao mar.

- Dentro do posto?

- Hum, bem, sim. E vai ter também um chaveiro, oposto ao mar também.

- Gente, mas esse Almar é um conglomerado comercial praticamente.

- Que Almar?

- Ué, não é o dono do posto de gasolina, do mercadinho e do chaveiro?

- De onde você tirou isso, maluco?

- Você disse que o posto chama Almar.

- Almar?

- Sim. O posto Almar.

- Não é posto Almar, é OPOSTO AO MAR! Do lado oposto ao lado do mar. Presta mais atenção.

No fim da história, consegui chegar à praia certa. Mas no litoral errado.

15 de abr. de 2009

Limites

Carlos Charles aguentou até que razoavelmente bem.

Não falou nada sobre a mania de torcer seus mamilos do candidato a namorado.

Nem do cheiro de naftalina da roupa.

Muito menos das manchas de catchup no sofá, do uso indiscriminado do seu condicionador de leite de avelãs, dos riscos no DVD da Kylie Minogue, nem do espelho quebrado por um golpe de escova de cabelo mal manuseada.

Mas tudo tem um limite.

Começou no supermercado.

- Vamos levar sorvete, Carlos?

- Aham.

- Melhor napolitano, né? Assim, já vem três sabores em um.

- Não tem nenhum de napolitano aqui.

- Tem sim, olha ali.

- Aquele não é o verdadeiro.

- Como assim, verdadeiro?

- O real sorvete napolitano vem com os sabores de morango e chocolate intermediados por uma camada de sorvete de nata, não de creme.

- E qual a diferença?

- Faz toda a diferença, a começar pela cor. O sabor nata é mais clarinho e tem um sabor suave. Não tem essa baunilha gritando na minha língua.

- E baunilha grita?

Carlos Charles concordou em levar o tenebroso napolitano pirata com o sabor creme mesmo. Foi prontamente servido em casa pelo rapaz.

- Quer mais?

- Não, já está bom. Obrigado.

- Então vou guardar no freezer.

- O que você está fazendo?

- Ué, estou fechando a tampa do pote.

- Isso eu vi, mas você não percebe que está errado?

- Errado, como?

- Você está invertendo a tampa!

- Não estou, o lado de cima está para cima...

- O lado da tampa que cobria o morango está agora em cima do chocolate!

- E daí?

- Daí que vai deixar os resquícios de morango em cima do chocolate e vice-versa.

- Ai, qual o problema, Carlos?

- O problema é que eu gosto de ter cada um estimulando separadamente o meu paladar.

- Na barriga mistura tudo.

- Então da próxima vez você bate bife, arroz, salsicha e Qi-Suco junto com o sorvete no liquidificador e toma tudo de uma vez. Mas faz isso na sua casa, não na minha.

Tampa de napolitano invertida definitivamente era demais para Carlos Charles.

8 de abr. de 2009

Penteados

Karmem não havia superado muito bem aquela fase da infância na qual as crianças costumam gostar de mostrar tudo que sai de seus corpos.

- Karmem, você quer mesmo que eu veja isso?

- Ah, tá tão bonitinho... Olha, tá com o cabelo do Zé Gotinha.

- Pra mim, tá com cara de cocô.

- Não fala assim dele!

- Você não quer que eu chame o cocô de cocô?

- Ele pode ficar traumatizado. Afinal, ele não tem consciência de que é feito de dejetos.

- Mereço isso?

- Vem ver logo! Já já eu dou a descarga e você vai perder.

- Exatamente o que eu estou esperando acontecer.

- Você vai desprezar essa família de cocôs que eu fiz?

- Família?

- Sim, olha, essa é a irmãzinha. Sei que é menina porque ela tem Maria Chiquinha do Zé Gotinha.

- Qual a diferença?

Karmem desenhou no ar:

====> Cabelo de Zé Gotinha.
<===> Maria Chiquinha de Zé Gotinha.

- E você acredita que haja um salão de beleza no seu intestino onde eles façam esses penteados?

- É assim mesmo. Por isso eles saem bonitinhos.

- Promete que se eu for olhar você dá a descarga logo?

- Não, mas prometo que se não for olhar agora vou guardar para você conferir mais tarde.

- Vamos lá, então...