30 de mar. de 2011

A colecionadora de enfermidades

Ricardo acordou e olhou pro lado, tentando identificar onde estava. Viu a própria cama e tentou recobrar o momento em que havia caído para o chão.

‘Lúcia’, pensou.

Não é que Lúcia o jogasse para fora da cama. Acontece que ela tinha o poder de fazer ser impossível dormir ao seu lado. A bem da verdade, ela tentava a todo custo livrar-se de qualquer contaminação. Passava a noite dando joelhadas nas costas de Ricardo, até que ele não aguentasse mais e saísse por conta própria.

Colecionadora de doenças, acreditava que qualquer contato físico era carregado de germes e bactérias. Com 23 anos, o plano de saúde cobrava o equivalente à terceira idade (ou quase quarta), dado o número de exames e consultas distribuídos ao longo do mês. Por perfil de uso, Lúcia havia sido rotulada internamente como “semi-moribunda”.

- Você entende, né?

Dizia ela, sempre que sugeria Ricardo dormir no chão. Ou no outro quarto. Ou em outro domicílio. Ou em outra cidade.

Lúcia considerava o aperto de mãos o contato mais íntimo que duas pessoas deveriam manter. E, ainda assim, rápido.

Curiosamente, foi o interesse científico que atraiu Ricardo. Prestes a concluir a faculdade de medicina, o rapaz se impressionou com o conhecimento científico da garota.

- Doença de chagas?

- Sim.

- Isso não está assim, meio que erradicado?

- Estou com todos os sintomas. Pode ter certeza! Me expus a um inseto barbeiro fazendo aquela viagem...

- Mas você ficou hospedada em um barraco de pau a pique?

- Não, mas o quarto do hotel tinha detalhes em madeira. Nunca se sabe...

Como forma de inviabilizar qualquer outro contágio, o sexo era igualmente evitado.

- Ai, hoje não, que eu acho que tô com febre.

- Estou medindo com o termômetro e sua temperatura está normal.

- Seu tarado! Querendo se aproveitar de mim durante minha enfermidade! Onde já se viu?

Nas poucas vezes em que acontecia, não raro era interrompido para anunciar as instruções anti-contágio.

- Vira isso para lá, que não quero nada escorrendo em mim. Ai, você tá suando muito! Continua, mas sem se mexer muito, vai. E nem pensa em ligar esse ar condicionado, porque eu não tô boa pra tomar friagem!

Levou algumas semanas até Lúcia decretar:

- Pois sexo, agora, só no chuveiro! A gente vai fazendo e já vai lavando na hora, muito mais higiênico. Aliás, ‘higiênico’.

Além do preservativo, Lúcia exigia total e completa assepsia, incluindo desinfecção com água sanitária em todas as partes do corpo, utilizadas ou não durante o ato.

- Fluídos são repugnantes!

Ricardo deveria ter desconfiado na primeira vez, quando a moça vomitou depois de ter atingido o orgasmo. Mas preferiu dar a chance. Como sempre, achou exótico. Achou peculiar. Considerou um charme. Aguentou firme e forte por vários meses, quando, sem mais suportar a pressão dos próprios hormônios, passou a recorrer às profissionais.

Pagava àquelas mulheres para ter o prazer de ter contato físico sem amarras (e com os fluídos escorrendo pelo corpo sem preocupação).

Não, ele não queria se separar. O fato é que Lúcia era uma fonte rica de informações, pois sempre estava antenada com tudo de mais moderno no tratamento das mais diferentes condições de saúde (incluindo doenças raras).

Uma manhã, porém, se descuidou. Gastou com as raparigas todos os seus preservativos. Escolhia o sábado pela manhã para suas aventuras pois sabia que Lúcia estaria dormindo e jamais requisitava sua presença antes do meio-dia, quando, segundo ela, se podia ter algum contato decente com uma pessoa, sem a intimidade de vê-la despertando.

Naquela noite, quando tentava aproveitar o que ainda sobrava do desejo provocado pela manhã de luxúria, deu-se conta de que não havia proteção na sua mochila.

- Ué, o que aconteceu com as camisinhas?

Quis saber Lúcia.

- Joguei todas fora.

Arriscou.

- Você não está pensando em fazer sexo comigo sem, né? Só se você esterilizar isso aí com água fervendo, por dentro e por fora!

- Não é isso. Acho essa coisa de expelir sêmen muito asqueroso. Decidi que não quero mais nenhum contato sexual.

Lúcia chorou. Estava finalmente diante de um homem que a compreendia. Marcaram casamento para dali a seis meses e levaram uma tia idosa e sua dama de companhia na lua de mel. Para terem alguém com quem conversar durante a viagem e completar o número de jogadores na mesa de baralho.

5 comentários:

Kalu disse...

Karmem era porca mas muitos mais interessante. Essa Lúcia é uma chata.

Rodrigo Checchia disse...

Haha e bota chata nisso!

Chris, The Red disse...

afffff.. fala sério. esta Lucia é sem noção da realidade.

Elaine disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

CIELLO disse...

OH VIDA.. OH CÉUS... OH AZAR!!!
bem vindo meu lindo!! saudade de ti por aqui!!! vou já colocar sua páginas nas minhas leituras!!!

bjaumzaum enorme!