10 de set. de 2008

Conversa com meus botões

Sempre achei curiosa a expressão conversar "com os meus botões". Não sei de onde vem a expressão (neta de "os colarinhos da vó", talvez?), mas imagino o perigo que ela representa: os botões teriam a capacidade mediúnica ou telepática de ouvir os nossos pensamentos. E por que gostamos de tê-los como ouvintes? Oras, a resposta é clara: porque os botões não têm o menor senso crítico e, ainda que o tivessem, não têm meios de expressá-los.

Lembro da vez em que cheguei a uma entrevista de estágio duas horas antes do combinado (nem a faxineira tinha chegado) e encontrei o presidente na entrada da empresa. Ele, cuja barriga só não era maior que o próprio ego, desatou a falar:

- Então, você faz faculdade? Pois é, eu já fiz faculdade e blá, blá, blá...

Por duas horas concordei com a cabeça, fiz "ã-hã" algumas vezes e pensei "Acho que não vai rolar. O cara deve estar pensando que eu sou um retardado, ou mudo, ou fanho... Não abri a boca praticamente". Quando chegou a entrevistadora, a surpresa:

- Bom dia, Fulana. Pode contratar esse cara - disse ele.

- E por quê?

- Ele é muito bom de papo!

Por quase dois anos em que estagiei na empresa, servi de ouvinte. Desconfio que, cada vez que os botões de enchiam de escutá-lo, ele me chamava. Diga (ou pense) a verdade - é bom ter alguém que nos ouve o tempo inteiro sem nos interromper.

Agora, pare para pensar no que são obrigados a ouvir os botões. Cada pensamento seu. As promessas nunca cumpridas "ah, mas nunca mais ninguém me diz isso", "a partir de hoje, vou usar os cotonetes sempre que tomar banho", "esse mês eu não vou gastar mais nada - chega de pré-datado!" (num dia 7). As resoluções que nunca tomamos "Mas esse ano, eu largo tudo e vou ser pescador de camarão em Minas Gerais (ignorando que você não consegue nem pegar o peixinho dourado do aquário com o coadorzinho de leite e que Minas Gerais não tem mar)". Isso sem falar nas grandes questões filosóficas e socias "mas eu não entendo por que o governo não pede para que todo mundo da classe média guarde os copinhos de iogurte e plante feijões com algodão! A fome seria erradicada em quatro meses..."

Sim, você estava lá, pensando em tudo isso e os botões ouvindo, com um sorriso de desdém ou com rostos entediados e você nem percebeu.

Vamos traçar um outro cenário - no qual os botões tenham voz. São feitos de casca de coco transgênico ou fruto da brincadeira de algum mago chegado a traquinagens - escolha a alternativa que mais lhe agrada.

O cidadão está calmamente pensando a caminho do trabalho "ah, mas de hoje não passa! Vou dizer tudo o que eu penso e aí..." Mas não consegue concluir o pensamento e ouve um risinho "Hi, hi, hi... Até parece!"

- Mas quem está rindo?

"Oras, quem, seus botões!"

- Botões?!?

"É! Ou você acha que a gente ia agüentar ficar ouvindo esse monte de asneiras sem nunca retrucar? Já basta tudo que a gente agüenta aqui embaixo..."

Perdendo totalmente a noção do ridículo, o sujeito prossegue a conversa:

- Como assim, agüentar? O trabalho de vocês nada mais é do que ficar aí,

pendurado numa casinha...

"E você acha que é fácil numa quarta-feira?"

- O que é que tem quarta-feira?

"Feijoada, meu caro, feijoada. E a sua barriga tentando escapulir para fora da camisa e a gente segurando a onda. Toda quarta é a mesma coisa na sua cabeça 'essa é a última vez que eu como tanta feijoada'... Até a outra quarta-feira!"

Uma voz mais grossa corta a conversa, para dar também seu ponto-de-vista:

"Olha, isso não é nada, por que todos os dias eu passo por uma humilhação ainda maior... Levo vários respingos cada vez que você vai ao banheiro e ainda fico ouvindo os apelidos que você dá ao próprio equipamento - 'grande tora', 'desbravador de cavidades' - he, he, he!"

- E esse agora, quem é?

"Esqueceu que tem um botão na calça também?"

Não, não, é melhor que os botões continuem a nos ouvir calados. Vai ver eles já desenvolveram a capacidade de falar, mas chegaram à conclusão que simplesmente não vale a pena. O mundo ainda não está preparado para suas revelações e nem para aceitar as críticas, tampouco tem maturidade suficiente para seguir seus conselhos.

Por via das dúvidas, já estou tomando mais cuidado para não respingar nos botões.

4 comentários:

Unknown disse...

To comentando aqui, pra você não reclamar que eu comento no lugar errado hehehe...
Mais uma vez me fez passar mal de tanto rir...
Hoje quem perdeu audiência foi o fantástico, sorte da emissora dos Marinhos que vc não escreve todos os dias...

Um beijão

Kalu disse...

O texto é ótimo! No estilo do Veríssimo. Vc pode ser "escritor fantasma" dele!

Rodrigo Checchia disse...

Obrigado, Cumprida. Estou me aprimorando para isso!

Anônimo disse...

Imagina só os meu botões, coitadossss!!!!!! Beijão, Mari