3 de ago. de 2008

Duelo de grinaldas

A cada dia, o Caio, o noivo, se revelava um cavalheiro mais envolvente e mais apaixonado, uma escolha certa de marido para toda vida. E cada dia ele compreendia melhor a noiva Elisângela. Tanto que decidiu não tentar entender mais nada. Deixou que a moça decidisse todos os detalhes da cerimônia de casamento, só arriscando palpites que não fizessem diferença.

Até porque um outro problema se evidenciava: no seu dia de princesa, Elisângela teria que dividir atenções com outra mulher, a Márcia Rosana, que reservara outro horário na mesma data e igreja, obrigando-as a escolher em conjunto a decoração.

E não é que seus gostos (ou a falta dele) fossem apenas distintos; enquanto a noiva nascida e criada no Itaim preferia tons pastéis e poucos elementos, a proposta de Márcia era mesclar elementos da cultura do antigo Egito e dos faraós com o clima discoteca dos anos 70.

O decorador tentava acalmar os ânimos quando as duas tentavam decidir os arranjos.

- Senhoritas, hoje eu tenho uma novidade que pode nos ajudar bastante a resolver as coisas.

- Você comprou uma arma, Reinaldo?

Os noivos, que chamavam a discussão sobre a decoração de duelo de grinaldas, ficavam no bar da esquina tomando cerveja e assistindo ao futebol de domingo.

- Sim, porque não pode haver um meio-termo entre tapete de sisal e de veludo roxo!

- Não sei o que você tem contra o tapete bordô. É chique, é uma coisa tipo Oscar, mas mais intenso. Será minha noite de princesa, eu quero dessa cor.

- Olha, Márcia, quem sabe você não esteja com o olho da mesma cor para combinar?

O primeiro elemento que voou pelos ares foi um cachepô. Tão rápido que ainda não desvendaram quem o arremessou. Foi respondido com uma saraivada de castiçais. Logo as duas rolavam pelos tapetes, enquanto derrubavam flores, arranjos, anéis para guardanapos e uma fazia valer o seu argumento para a outra.

- Olha aqui como não combina, sua cafona!

- E você é uma caipira que quer tudo com cara de mato em vez de colocar enfeite de verdade!

Foram rolando até toparem com mais uma pessoa entrando no recinto, o que serviu para colocar uma trégua na disputa. Foi Reinaldo quem a apresentou:

- Era disso que eu estava falando. Noivas, esta é mais uma moça que vai se casar no mesmo dia que vocês. Quem sabe ela nos ajude a desempatar as coisas, pode dar o voto de Minerva.

Secretamente, Reinaldo torcia (e pedia ao Santo Protetor dos Decoradores) para que não houvesse uma terceira opinião diferente das duas primeiras ou as coisas seriam piores ainda.

A mulher estendeu a mão a Elisângela.

- Prazer, meu nome é Laleska.

- Valeska?

- Não, Laleska, com ‘L’ de latifundiário. O meu noivo pediu desculpas, pois está atrasado. Acho que podemos começar sem ele, afinal, para que servem os homens nessa hora, né?

Foi medida de cima a baixo. Começando pelos pés. Um par de sapatos que Elisângela não reconheceu de nenhum estilista, o que significava que provavelmente teria sido feito sob medida. Calças agarradas, mas de cor discreta, e uma blusa mais espalhafatosa. Cabelos longos. Laleska era alta, parecia uma mulher importada. Só não se podia definir de onde.

“Só me faltava mais uma brega para esculhambar meu casamento”, pensou. “E até agora nada do Carlos Charles”, o amigo que havia prometido dar um jeito nas coisas, mas com quem não falava há vários dias.

Sentaram-se e fingiram que aquela era uma situação normal e corriqueira. Verdade seja dita, como terceiro voto, Laleska foi decidindo um a um os detalhes e parecia inclinada a aceitar tudo que Elisângela queria. A noiva do Itaim até desconfiou que vira mais de uma vez a terceira nubente procurar por seus olhos para decidir a aprovação das coisas quando lhe eram expostas as opções.

Do impasse de meia hora antes, a disposição dos arranjos da cerimônia fora praticamente resolvida. Logo, o celular de Laleska começou a tocar (a campainha era Enough is Enough, dueto de Barbra Streissand e Donna Summer).

- Alô? Oi, meu amor! Já está chegando? A gente já decidiu quase tudo, fique tranqüilo! As outras noivas são tão simpáticas. Tem uma moça linda, você vai ver. E tem uma Márcia Rosana também.

Ao longe, Elisângela reconheceu um ponto furta-cor, que aos poucos foi ficando mais nítido até que ela reconhecesse a echarpe.

- Olá! Atrasei muito? Eu me confundo todo na hora de pegar essa linha vermelha do metrô! Não me perguntem onde eu fui parar, pois eu não saberia explicar.

Era Carlos Charles o suposto candidato a marido de Laleska e, portanto, o responsável por restabelecer o equilíbrio na decoração.

Mais tarde, os dois conversavam em um bistrô.

- Mas quem é aquela Laleska?

- Ah, o nome real dela é Osvaldo. Nunca diga esse nome na frente dela.

- E você vai mesmo casar com ela?

- Definitivamente não! Só dei a você um voto a mais. Pronto, agora, você decide tudo.

- E a igreja? Você falou com o padre?

- Acredite em mim: Márcia Rosana não vai conferir se é verdade. Só o que tivemos que fazer é despistar o Reinaldo. Lembra que eu disse que haveria um preço?

- Lembro.

- Então, você vai ter que pagar dois terços de tudo em vez da metade. E dois dias da noiva.

- Dois por quê?

- Um será o seu. O outro será do Osvaldo, que no próximo mês será noiva numa festa junina e faz questão de passar por todos os preparativos. É o preço da atuação dele.

- Eu pagaria até a operação de mudança de sexo dele em troca de ter tudo do jeito que eu quero.

- Desconfio que essa ele já fez, mas vou avisá-lo.

- Avise, também, que ele vai ter que arrumar uma maneira de tirar aquelas árvores do altar quando eu chegar.

Verdadeira ou não, o ego de uma noiva é algo difícil de ser controlado. E, mesmo sabendo que era tudo uma farsa, Laleska tinha suas extravagâncias e gostaria de acrescentar seu toque pessoal à cerimônia. Sua exigência foi colocar bananeiras no altar “para dar um toque de naturalidade”, segundo ela. Bateu o pé, fez um balanço de tudo que havia votado a favor de Elisângela e alterou o local do enlace das outras duas para um cenário tropical.

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei...
bjosss