11 de ago. de 2008

As listas de Elisângela

Um mundo de compras até então desconhecido foi descortinado a Elisângela quando esta decidiu casar-se. Montar um lar significava escolher cada detalhe de sua nova vida e, portanto, uma chance de repensar em tudo e decidir por tudo aquilo que lhe seria útil.

- Veja, baixelas de aço inoxidável escovado! Eu preciso ter uma dessas! Saladeira de acrílico! Dá para ver a salada pelas laterais enquanto fazemos. Necessária.

- Precisamos mesmo desse penico metálico e furado que você está clicando?

- Isso é um escorredor de macarrão. Como você acha que a massa se separa da água? Via divórcio litigioso?

- E vai água para fazer macarrão? Vivendo e aprendendo.

Caio, o noivo, além de alheio ao que se passava numa cozinha, preferia a ignorância e servir-se dos sistemas de entrega pelo resto da vida a ter que escolher os utensílios. Ou qualquer outra coisa. Mas já pensava em como o escorredor poderia ser útil como capacete.

- Vamos comprar o que for mais resistente.

- E a lista dos seus padrinhos, cadê? Os do lado da noiva já foram escolhidos há tempos.

- Ainda não decidimos.

“Decidir” os padrinhos, no caso de Caio, significava girar uma garrafa de cerveja vazia na mesa do boteco com os amigos. Quem fosse apontado pelo gargalo, estaria no altar. O fundo da garrafa eliminava o concorrente.

Para não ter que se incomodar com mais perguntas sobre utilidades domésticas (“Mas para que serve uma vassoura mágica, ela tira coelhos da cartola enquanto você varre?”), Elisângela vestiu seu terninho cinza, roupa de guerra reservada a contatos com fornecedores dos eventos que organizava, e foi pessoalmente fazer a lista dos presentes. Acompanhada, claro, de seu melhor amigo.

- Você não está achando isso tedioso, está?

- Imagina! É como fazer compras com o dinheiro dos outros e ainda sem ter que levar para casa. Adorei!

- Olha, que lixeira linda! Mas é só para colocar lixo, acho que não precisa ser tão cara, né?

- Até no lixo a gente pode ter luxo, baby! Vira o código para cá.

Carlos Charles havia posicionado o aparelho leitor de códigos de barras que servia para montar a lista em seu pulso e brincava de atirar nos produtos escolhidos, imitando uma série de ficção científica cujo nome nem lembrava. Duplicou a quantidade, sem a noiva ver, de vários itens que faltavam em sua própria cozinha. As sobras teriam que ir para algum lugar, não é mesmo?

- Agora, calma, que este treco nem eu sei para que serve. - disse Elisângela, diante de uma pilha colorida.

- São forminhas de silicone. Você pode usar para fazer bolos e tortas em formatos diferentes, como estrelinha, conchinha, luazinha...

- Jura? Eu preciso disso!

- Mas você nem sabia para que serviam...

- Não interessa! Esta modalidade de esculturas alimentícias acaba de se tornar realidade na minha frente e, portanto, uma necessidade!

- Quer saber? Você nunca vai utilizar isso. Talvez, daqui a quarenta anos, depois de ter amamentado e coisa e tal, você derreta tudo para fazer um novo par de seios. Incluo na lista?

- Claro! Você vai ver como eu vou fazer pudins, saladas, arrozes, feijões, tudo em formato de bichinhos! Vou ser a mais nova confeiteira-escultora do bairro do Itaim.

E Carlos disparou o feixe de luz sobre o código de barras das forminhas, enquanto sonorizava com a boca: zuóm.

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