14 de jul. de 2008

A noiva do Itaim

Você nunca reconhece uma noiva do Itaim de longe. Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que as noivas do Itaim não se parecem com noivas. Não, elas não andam de véu e grinalda nem carregam buquês em plena terça-feira.
Tampouco dão a entender que estão finalmente desencalhando. Até porque, para a noiva do Itaim, o casamento é uma passagem natural, mas que deve ter o cerimonial adequado.
O que tampouco significa que seja fácil a transição de uma moça em uma noiva do Itaim.
Como a Elisângela. Filha de um casal de suecos que encontrou no bairro um refúgio agradável e relativamente perto da região central da cidade, foi batizada em homenagem a duas cantoras brasileiras, pois o pai não queria que se sentisse deslocada no país. Mas isso Elisângela nega até hoje.
A garota já nasceu com bom gosto. Na maternidade, chorou até que a manta fosse trocada por uma que combinasse com seus olhos azuis. Aí, tornou-se o bebê mais tranqüilo do berçário.
Na escola, aprendeu primeiro a colocar os blocos em ordem de cores, formando um degradê harmonioso, antes de compreender que o quadrado encaixa no quadrado e o redondo, no redondo.
Mas não era dislexia. Elisângela queria apenas ver o mundo mais bonito, à sua maneira. Estudou nos melhores colégios, mas ganhou fluência em francês lendo a Vogue de Paris. Não prestou atenção a uma única palavra dos professores, ocupada fazendo análises sobre como o guarda-pó seria mais elegante se trouxesse elementos adicionais quebrando a monotonia do branco-giz.
Naturalmente, a vida a levou a uma carreira de organizadora de eventos. O pulso forte com que comandava seus funcionários levava suas cerimônias ao status de perfeição.
No amor, entretanto, nem sempre foi fácil para Elisângela se relacionar com o mundo masculino. Testosterona, falta de senso estético e, principalmente, desconhecimento acerca do mundo da moda, afastavam qualquer possibilidade de um relacionamento mais duradouro.
Certa de que sua vida estaria fadada a ser solitária e que jamais seria uma noiva, aproveitou a vida o quanto pôde, sem se preocupar com o fato. Mal sabia que a chave para encontrar seu companheiro estava precisamente na sua auto-suficiência.
Sim, pois as noivas do Itaim não são desesperadas para casar. São plenamente cientes de que só aceitarão como companheiros quem ousar realmente conquistar seus corações. O de Elisângela, inalcançável, oferecia pouca chance a este acaso.
A vida social tornou-se então um refúgio. Ser e acontecer, com comedimento, era essencial para a garota.
De que adiantava ser bonita se ninguém a visse?
Por onde quer que passasse, despertava interesse, provocava comentários, de canto de boca e alardeados. Não importa o que vestisse, Elisângela fazia com que tudo que caísse sobre seu corpo se mostrasse mais atraente, mais jeitoso, mais charmoso. Claro, ela conhecia as marcas de grife à distância, mas sustentava o estilo mesmo em suas peças mais simples, adquiridas até em lojas do centro da cidade. Uma princesa inatingível.
Numa dessas ocasiões, que só o destino sabe fazer acontecer, estava a descer do carro quando um outro motorista sentiu-se compelido a comunicar tudo que ela despertava nele. Naturalmente, não havia muito tempo para uma longa explanação acerca da beleza das fêmeas, dos hormônios que atuam na libido e de como a reprodução é necessária para a manutenção da vida da espécie humana no planeta Terra, por isso foi obrigado a resumir com a frase:
- Estou com vontade de te lamber todinha!
Ao que Elisângela, sempre dona da situação, precisou responder com a mesma desenvoltura e todo seu porte nobre. Quis deixar claro que aquela abordagem não era adequada a uma dama e que evidenciava um certo desleixo com a forma que não a atrairia a um possível envolvimento emocional. Foi sucinta, mas enérgica:
- Enfia o dedo no cu que passa.
Com seu tiro no escuro, Elisângela acabou acertando dois alvos: o motorista-babaca e também o Caio. Que estava na calçada aguardando para entrar na boate, tão embasbacado com sua beleza que seus ouvidos filtraram a mensagem até que só ouvisse um “Sou uma mulher sem par, destinada a alguém igualmente especial”.
Sem saber, Elisângela havia acabado de se tornar a mais recente noiva do Itaim. A confirmação oficial viria em semanas, mas o coração do (pobre) Caio já estava tomado.

4 comentários:

Lígia Prestes disse...

Sensacional... adorei o humor sarcástico...quero ler mais!

Elaine disse...

kkkk enfia o dedo no cu que passa é ótima!
essa é das minhas!

Anônimo disse...

Olá, querido! Demorou para divulgar o que nós dois sempre soubemos, não? Há tempos lhe digo para escrever mais e batalhar por um espaço no mercado editorial. Que bom ver meus conselhos materializados aqui. Parabéns e continue, sim?
Beijos de sua sempre leitora e fã.
Camila

Andreh disse...

como diz meu sábio avô, "para bom entendedor, um RISCO significa FRANCISCO"...