17 de fev. de 2009

Postura corporativa

- Canta!

- Mas eu estou no meio do trabalho...

Não era um pedido, era uma ordem. O objetivo, claro, não era apreciar minhas (inexistentes) aptidões para a cantoria, mas me causar embaraço.

- Ah, vai, eu quero...

- Tenho que desligar.

- Você vai desligar na minha carinha?

- Não, é que tem uma ligação aqui para mim.

- E como você sabe?

- A menina da recepção está acenando para mim. Ai, pronto, ela anotou o recado.

- Então canta.

- Agora? Eu canto à noite, quando encontrar com você, pode ser?

- Não! à noite já vai ter passado minha vontade de te ouvir cantar. Tem que ser agora!

Ela tinha o poder de me fazer perder a noção do ridículo.

- E que música você quer?

- Você vai ter que adivinhar!

- Karmem, eu estou trabalhando, o escritório está cheio de pessoas me olhando nesse exato minuto - retruquei, baixinho.

- E daí? Só uma musiquinha, vai.

- Então fala qual você quer.

- Não vou falar e você tem que cantar a canção certa!

- Tá bom, vai aquela da 'Cabeça, ombro, perna e pé', pode ser?

- Pode!

- Cabeça, ombro, perna e pé...

- Tá muito baixo.

- Karmem, já estou passando a maior vergonha aqui.

- Então canta de uma vez com convicção para acabar logo.

- Cabeça, ombro, perna e pé, perna e pé!

- Aposto que você não está fazendo os gestos!

- Tem que fazer?

- Claro! Que graça que tem se você não fizer? Aliás, só deixei cantar essa música, que não foi a que eu escolhi, porque tem a coreografia.

- Tá, vamos lá. Cabeça...

- Você não está fazendo!

- Estou, sim!

- Não tá não!

- Ok, não estava. Mas vou fazer agora.

- E canta alto, que eu quero sentir animação.

- Cabeça, ombro, perna e pé, perna e pé!

- Não vale.

- Por que não vale?

- Você está sentado na cadeira, tem que ser de pé.

- Karmem...

- Tem que ser de pé!

Levantei e comecei:

- Cabeça, ombro, perna e pé, perna e pé! Cabeça, ombro, perna e pé, perna e pé! Olhos, orelhas, boca e nariz. Cabeça, ombro, perna e pé, perna e pé!

No escritório, todos me olhavam. Do outro lado da linha, Karmem ria histericamente.

- Não acredito que você fez isso!

- Ué, não foi o que você me pediu, Karmem?

- Foi, mas o que que vão pensar de você aí agora? Credo, como você é louco!

- Posso desligar agora?

- Aí, tá vendo, quer desligar na minha cara. Você não gosta de falar comigo.

- Gosto, sim, não diga isso.

- Então me canta a musiquinha de ficar feliz.

- Karmem?!?

- Vai, aquela. Você sabe qual. Porque eu fiquei tristinha de saber que você não gosta de falar comigo e preciso voltar a ser feliz.

- Mas eu adoro falar com você.

- Então me mostra!

Como não havia jeito mesmo, dei vazão à loucura:

- Para ser feliz é preciso ter, esse céu azul e a imensidão...

Karmem ria tanto que não pode continuar falando ao telefone.

- Deixa eu desligar, porque estou trabalhando. Meu serviço é sério, não podem me ver gargalhando como uma doida no telefone, né?

- Mas...

- Tchau!

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