29 de set. de 2008

Chapelão

De: Carlos Charles
Não eskeça o bukê!

Caio viu a mensagem e então lembrou-se de que havia se voluntariado para buscar o buquê de sua noiva, Elisângela. A cerimônia seria dali a algumas horas, tudo estava sob controle.

Ajeitou a cartola de cetim que improvisaram e anunciou aos amigos que precisava ir. O tio Almeida não quis deixar. Já eram oito horas da manhã e a despedida de solteiro ainda corria solta, como se tivessem acabado de chegar ao lugar.

Fora insistência do tio Almeida a festa. Não que Caio fosse avesso às comemorações (muito menos às mulheres), mas não fazia tanta questão assim. A verdade é que quem experimenta Elisângela (‘mulher’ é eufemismo, era uma versão melhorada do projeto) não se contenta com menos.

Mas foi mesmo assim, ouvindo a descrição do tio:

- Você vai ver sobrinho! Aquele lugar tem umas pequenas! Todas as stripers são universitárias!

- E isso serve para quê, elas dão dicas para passar no vestibular antes da gente comê-las?

Caio aproveitara a noite bebendo e contando anedotas, não traiu a confiança da noiva. Chegou a receber uma massagem das ‘universitárias’, regado a chantili, mas foi o máximo, além de ter o nariz empoado por um par de seios. Devidamente vestidos, claro.

Na saída, o tio ainda convidou algumas das garotas para irem com eles. Ele era assim, sedutor. As moças agradeceram, pois aproveitariam a carona. Era um boa pinta, e estava emocionado de ver o sobrinho com quase trinta anos casando. O próprio Caio achava que seguiria estilo de vida solteirão do tio até que conheceu a noiva.

E lá se foram, o tio dirigindo com uma das moças ao lado e o Caio com uma de cada lado no banco de trás.

A floricultura mantinha um registro severo de tudo que entrava e saía em relação a casamentos.

- O senhor assine aqui, aqui e aqui. E, por gentileza, tire os óculos.

- Ué, por quê?

- Fotografamos as pessoas que retiram buquês. Normas da casa.

- Nossa, mas precisa de tudo isso?

- Sem foto, não leva buquê. Ah, e o seu dedão vai aqui, por favor. Fazemos o registro da digital também.

- Vocês não acham um pouco exagerado?

- Já imaginou se o senhor perdesse o buquê da sua noiva?

- Prefiro nem pensar!

- Pois é, nós também não. Assim que o senhor assinar tudo, a nossa responsabilidade termina e respiramos aliviados.

O arranjo foi entregue dentro de uma geladeira de isopor quadrada, com as instruções de evitar abrir por algumas horas. Tudo para que Elisângela não casasse com um buquê de flores murchas.

Na volta, Caio trocou uma de suas acompanhantes pela do tio com a caixa devidamente alojada no chão do carro, para evitar pegar sol.

Quando desceu, o tio Almeida fez questão de perfilar todas as universitárias, pediu uma salva de palmas para o sobrinho e improvisou um discurso.

- Meninas, vocês estão diante de um dos homens mais dignos que já conheci.

Na família, todos sabiam de sua propensão a aumentar as qualidades dos conhecidos.

- Este rapaz, tão novo, é um dos médicos e engenheiros mais importantes do nosso tempo!

Caio só tinha o diploma de colegial técnico, mas conhecia os exageros do tio.

- Foi ele quem descobriu a cura para a síndrome de Aquiles, uma doença gravíssima que ataca os calcanhares, responsável por tantas calamidades! Vocês sabiam que foi isso que matou a princesa Diana?

- Ué, ela não morreu num acidente de carro?

- Se o motorista não tivesse essa enfermidade, ela estaria viva até hoje!

As stripers choraram, emocionadas, e aplaudiram, com sinceridade. No final, ainda encheram Caio de beijos na testa, nas bochechas e o deixaram de marcas de batom. O tio Almeida fez questão de abraçar uma a uma antes de entrarem de volta no carro e as presenteou como uma flor cada uma em agradecimento pela maravilhosa última noite de solteiro que haviam propiciado ao sobrinho.

Caio entrou em casa e só quis dormir. Acomodou ao isopor num canto fresco da casa. Estranho, ele tinha a nítida impressão de que quando havia pegado na floricultura havia uma fita adesiva lacrando a caixa. Bom, depois de tantas horas sem dormir, a gente imagina cada coisa!

Horas mais tarde, foi despertado por Elisângela, que, aos berros no telefone, exigia seu buquê, pois já estava praticamente pronta.

- Mas meu bem, ainda faltam três horas pro casamento... Não, ainda não tomei... Sim, já estou entrando... Aguarde que eu já chego!

O noivo é sempre mais prático: banho, barba, desodorante, terno e gravata depois, já estava pronto para a cerimônia. Tudo certinho.

Por curiosidade, resolveu abrir e dar uma espiada no buquê. Sabe como é. Podia estar meio torto, melhor ver antes do que entregar para Elisângela.

E foi então que o raio de mil watts acertou em cheio sua cabeça. A caixa estava vazia. Inexplicavelmente vazia. O interior tão solitário quanto Caio ficaria se não levasse o buquê.

“Mas como é possível? Eu mesmo vi a garota da floricultura embalar aquele emaranhado de flores brancas e verdes! Iguais às que...”

Sim, o Tio Almeida abrira a caixa de isopor pensando que ela guardava cerveja, mas, quando vira as flores ali, desatou os nós e as deu para as meninas da noitada. Tão gente boa, elas mereciam!

Sem saber o que fazer, Caio desceu para o jardim do prédio e procurou por algo que as substituísse. Viu, ironicamente, apenas uma plantação de ‘marias-sem-vergonha’. Era o único jeito. Amarrou um punhado delas com um cadarço antigo e enfiou na caixa original da floricultura.

“Vou pôr a culpa neles. Diacho, eles me fotografaram segurando o buquê, não vai colar!”.

Seguiu assim mesmo para o salão onde Elisângela fazia o dia da noiva e, sem olhar para trás, rumou para a igreja. As marias-sem-vergonha o fariam ganhar tempo até chegar lá e arrancar alguns dos arranjos da igreja e montar um novo buquê!

Caio suava frio. Todos os amigos o apontavam:

- Nossa, ele deve estar emocionado!

Estava sim, pois o padrão de flores da igreja era diferente do buquê. Elisângela não queria entrar com um item parecido em suas mãos, o fator surpresa era o mais importante em tudo: vestido, grinalda e, claro, buquê.

- Sua gravata está torta, me deixe arrumar. Deu tudo certo, né? Hoje acaba o seu e o meu martírio!

Desabafou Carlos Charles, melhor amigo da noiva, cujo celular logo tocou.

- Alô! O quê? Como assim? Não é o mesmo? Tem só um monte de mato?

Conhecendo sua noiva, Caio começou a planejar mentalmente mudar-se para a África naquele instante. Mas preferiu olhar em volta, como se a solução fosse brotar na sua frente. E foi o que aconteceu. Tomou o celular das mãos de Carlos e disse:

- Meu bem, desculpe a brincadeira! Eu queria só nos descontrair... Você vai ter o seu buquê quando chegar aqui. Confia em mim? Sim, o Carlos está fazendo que sim com a cabeça...

A segunda surpresa do dia foi ver as mesmas flores ali, zanzando pela nave da igreja, alocadas num chapelão. Laleska, grande amiga de Carlos Charles (vide "Duelo de Grinaldas"), trajava um discreto vestido, mas fizera questão de um chapéu bem grande, todo florido. Estranhamente, com o mesmo tema do buquê de Elisângela. Mas muito propício, pois Caio surrupiou sorrateiramente o adereço por trás e tinha o buquê de volta às suas mãos!

Um comentário:

Unknown disse...

Quando transformar em livro quero meu exmeplar autografado e em edição especial!