Karmem chegou com uma revista.
- Olha só, aqui tem um teste de personalidade que a minha chefe disse que é batata!
Pensei em perguntar se o teste ficava bom esmagado com creme de leite, ou se daria para assá-lo e recheá-lo com requeijão e bacon, mas preferi apenas concordar com a cabeça.
- Eu vou pedir algumas palavras e você me diz a primeira que vier na sua cabeça. Combinado?
As maiores discussões com Karmem geralmente apareciam depois de termos combinado qualquer coisa.
- Diga uma letra.
- Ah?
- Isso. Agora, me diga uma palavra de quatro letras.
- “Três”?
- Não, três não, quatro. Quatro letras.
- Então, a palavra “três” tem quatro letras.
Karmem escreveu a palavra no canto da página da revista, como tinha feito com o “A” da primeira pergunta e contou quantas letras tinha.
- Certo. Agora, uma de cinco.
- “Cinco”.
- Isso, de cinco letras.
- Então, “cinco”.
- “Cinco”? Essa é a sua palavra?
- Ué, “cinco” tem cinco letras. Será que é por isso que se chama cinco?
- Não sei, só sei que isso está muito esquisito. Diga agora uma palavra de seis letras.
- “Quatro”.
- Como, quatro? O teste pede uma de seis letras!
- Então, a palavra “quatro” tem seis letras...
- Você está tentando me irritar? Por que, se estiver, está conseguindo. Fala uma palavra de duas letras.
- “Um”.
- Uma de três letras.
- “Uma”.
Karmem suspirou tão fundo que uma frente fria da Argentina que estava na cidade subitamente desapareceu antes de me fazer a pergunta fatal, a que eu nunca soube responder, embora ela quisesse a resposta mais genial de minha parte:
- O que você está querendo me dizer?
- As primeiras palavras que vieram na minha cabeça, como você pediu. O que foi que você colocou quando fez o teste?
- Para qual item?
- O de uma letra.
- “E”.
- E o de duas letras?
- “Eu”.
- Sim, você. O que colocou na parte que pede uma palavra de duas...
- Então, eu coloquei “eu”.
- E na de três?
- Bom, primeiro eu coloquei “meu”, depois, troquei para “mim”.
- E na de quatro?
- “Tudo”. Aí voltei na pergunta de três letras e troquei de volta para “meu”.
- E na de cinco?
- “Minha”...
Fiquei até com medo de perguntar, mas fui em frente.
- E na de seis?
- “Minhas”... Mas você nem me deixou fazer a última pergunta.
- E qual é?
- Você tem que montar uma frase com a maioria das palavras que utilizou...
- “Cinco, quatro, três, dois, um”!
- Essa é a sua frase?
- Sim. Por quê, tinha que ser uma oração, com sujeito e predicado?
- Não sei, aqui na revista só pede uma frase. Mas é que agora eu ia dizer que as palavras não importam tanto, e sim a frase que você forma.
- Poxa, então, pela minha frase, acho que eu tenho aptidões para trabalhar na Nasa, não acha?
- Exatamente. Acho que você tem aptidão para sair desse planeta, isso sim.
- E que frase você formou no seu teste?
- “É tudo meu”...