30 de mar. de 2009

Hortifrutiball


- Vamos tentar não fazer barulho? Minha mãe está dormindo essa hora, são três da manhã.

- Vou ficar quietinha!

Cada vez que Karmem concordava comigo me dava mais medo do que quando a garota discordava.

Fui abrindo a porta de casa, enquanto ela sorria para mim.

Mal tive tempo de dar a segunda volta na chave pelo lado de dentro, vi minha namorada sumir para dentro do sobrado. Assim que virei para procurá-la, fui surpreendido por um mamão voador, arremessado direto para minha cabeça. Imitando os jogadores de futebol americano, encaixei o mamão no peito e consegui pegá-lo no ar.

Foi o tempo de Karmem arrastar a fruteira para conseguir mais munição. Fui almejado com batatas, maçãs, tomates, laranjas e cebolas. Uma salada humana!

E eu só sussurrava:

- Olha a bagunça, por favor, pára com isso!

Mas uma vez iniciado, Karmem não conseguia deter nenhum processo de diversão. Diversão para ela.

Assim que não havia mais frutas disponíveis (a melancia ela havia guardado para o gran finale), Karmem foi para o fogão e começou a misturar tudo que via nas panelas. A sopa ficou cheia de óleo para fritura. O macarrão ganhou uma calda de feijão para acompanhar. E o arroz foi parar ali na fruteira, bem quando eu estava terminando de arrumar tudo de volta.

Karmem então desapareceu pela escada que dava acesso ao segundo andar.

Comecei a tentar arrumar as panelas como um louco. Como não obtive sucesso, tratei de comer tudo rapidinho, para minha mãe não saber da bagunça em sua cozinha. Depois ainda disse que Karmem havia elogiado e comido tudo sozinha. Não sei se minha mãe acreditou, mas creio que ela preferia nem saber dessas coisas.

Subi para o andar dos dormitórios com muito receio, sem saber o que me aguardava. Chequei meu quarto. Tudo parecia em seu devido lugar, mas sem sinal de Karmem. Talvez por isso estivesse arrumado.

Abri a porta do banheiro devagar e comecei a chamar, baixinho:

- Cadê você?

Tranquei a porta atrás de mim e, de dentro do box, surgiu a menina, que havia montado uma campana para me atacar com tudo que havia encontrado ali: xampu, condicionador, talco, creme depilatório e desinfetante.

Agachei no chão para proteger o rosto, o que foi a deixa para Karmem finalizar sua ofensiva me batendo com o portapapel higiênico de crochê que ficava pendurado atrás da porta.

Eu tentava conter o riso, mas foi mais forte do que eu.

- Hahahahahahahaha

- O que está acontecendo aí?

- Nada, hahaha, mãe, haha, está tudo em, hahaha, ordem.

- Como você é bobo e fica rindo à toa. Não sei como essa menina aguenta namorar você!

Do lado de dentro, Karmem sorria com o semblante tranquilo e dizia:

- Quero deixar registrado que fiquei quietinha e não disse nenhuma palavra, do jeito que prometi.

23 de mar. de 2009

ToyBoy

- Hoje a gente vai se encontrar, né?

- Você consegue chegar na Avenida Paulista às oito horas?

- Consigo, sim.

- Ótimo. Você vai ao cinema com a Berenice.

- Com a sua amiga? E você não vai junto?

- Não. A Berenice ligou aqui chorando, terminou com o namorado e está deprimida. Como eu não estou com paciência para ouvir as ladainhas dela, emprestei você para ela.

- Karmem, você me emprestou para a sua amiga?

- Sim.

- E ela achou isso normal?

- Não sei, ela só disse “Já que não tem outra coisa mesmo, pode ser”.

- E o que eu tenho que fazer?

- Oras, o que qualquer ser humano faz com uma amiga que está passando por um momento difícil! Dê atenção, ouça tudo que ela quiser dizer, dê um abraço...

- Pegar no peitinho também está no pacote?

- Se ela quiser. De qualquer forma, fiz a Berenice prometer que vai me devolver você inteiro, do jeito que eu estou emprestando, sem faltar nenhuma parte. Ah, eu também não vou porque ela quer ver uma daquelas comédias pastelão, que detesto.

- Eu gosto.

- Tá vendo como eu sou boazinha? Ainda por cima, vai ver um dos filmes idiotas que você curte.

- Bom, tudo bem. De qualquer forma, amanhã já é sábado e eu vou ver você.

- Sim, esteja aqui em casa às oito horas.

- Da noite?

- Não, da manhã.

- Mas por quê tão cedo?

- Minha mãe ouviu a conversa com a Berê e me pediu você emprestado para fazer supermercado. Vai ser compra de mês, venha preparado para carregar caixas e pacotes.

16 de mar. de 2009

Fidelidade

Tinha aquele brasileiro que não entendia o futebol.

- É fácil. Veja, são onze jogadores...

- Isso eu sei. O que eu não entendo é a torcida.

- A torcida?

- Sim. Por que uma pessoa escolhe determinado time para torcer?

- Não tem isso de escolha, não! Amor à camisa não tem explicação, amigo.

- Você torce há muito tempo?

- Há trinta anos sou fiel ao meu time.

- Mas você tem exatamente trinta anos.

- Isso mesmo. Saí da maternidade já de uniforme.

- O que significa que você não tinha direito a opinião nenhuma ou consciência do que estava vestindo. Poderia estar vestido de vaso de margaridas que daria no mesmo.

- É. Sim. Bom. Mas assim que comecei a ter noção das coisas, já me apaixonei e me mantive fiel ao mesmo time.

- A vários times.

- Nunca! Sempre ao mesmo!

- Quantos dos jogadores se mantêm desde que você começou a torcer?

- Nenhum.

- Ou seja, com as mudanças de técnico e jogadores, ao longo de trinta anos você torceu para vários times diferentes, mas que tinham o mesmo nome e uniforme, certo?

- Errado. O uniforme também mudou algumas vezes.

- E cada vez que um jogador de algum time rival é contratado para fazer parte do seu, você passa a elogiar a técnica e a habilidade que antes você criticava. É assim?

- Mais ou menos... Mas, olha, não tem emoção melhor que o gostinho da vitória...

- Para cada vitória, sempre há uma derrota do adversário, certo?

- Essa é a idéia.

- Quer dizer, você escolher torcer para um time para poder tirar um sarro com a cara de quem torce para o outro quando o seu ganha. É isso?

- Não tem coisa melhor!

- E em troca, você dá a chance dele azucrinar você quando o seu perde e, como existem vários times, acontece mais vezes a derrota do que a vitória.

- Se você pensar por esse lado... Mas teoricamente, escolhemos o que consideramos melhor, o mais forte, com condições de contratar os melhores jogadores.

- Faria muito mais sentido torcer para o que tem o melhor patrocinador, então.

- Argh!

11 de mar. de 2009

Puxe e empurre


- Iiiiiiiiiiicc!

- Karmem? Esse guincho é seu?

- Iiiiiiiiiiicc!

- Quer se acalmar?

- Iiiiiiiiiiicc!

- Que que aconteceu?

- Iiiiiiiiiiicc!

- É só isso?

- Aaaaaaaaaaacc!

- Haha Quer parar?

- Iiiiiiiiiiicc!

- Biloca...

- Iiiiiiiiiiicc!

- Chega!

- Iiiiiiiiiiicc!

- São seis horas da manhã, é sábado...

- Iiiiiiiiiiicc!

- Posso desligar?

- Ai, não acredito que você vai desligar na minha carinha!

- Mas, Karmem...

- Iiiiiiiiiiicc!

- Haha!

- Iiiiiiiiiiicc!

- Amo você!

- Eu quebrei a máquina de lavar!

- Como?

- Iiiiiiiiiiicc é o barulho que ela faz, mas não lava a roupa.

- E por que você está mexendo na máquina?

- Minha mãe viajou e eu quis provar para ela que não sou uma inútil que não sabe mexer na máquina.

- E acabou quebrando?

- Éééééééééééééé!!! Vem consertar?

- Agora?

- Sim, tem que dar tempo de consertar, lavar a roupa toda e secar antes que alguém perceba.

- Mas, Karmem...

- Ah, eu tô desesperadinha! Vem, por favor...

- Mas eu nunca consertei uma máquina de lavar roupa na vida...

- Dê um jeito!

- Quantos quilos de roupa você colocou na máquina?

- Você acha que eu pesei na balança antes de colocar? Fui enchendo tudo, até não caber mais. A gente tem que economizar água e sabão, não é verdade?

- Você usou a delicadeza costumeira?

- Sim.

(suspiro - isso significava que havia uma massa compacta de tecidos na máquina).

- E a máquina chegou a começar a encher e tudo?

- Não, ela só faz iiiiiiiiiiicc quando eu giro o botão.

- Você chegou a puxar o botão?

- Como assim, puxar?

- Puxar o botão. Você puxou?

- Claro que não!

- Karmem, tem que puxar o botão! Mas, antes, tire três quartos da roupa de lá de dentro e coloque o sabão...

- Peraí. Funcionou! Você sabia consertar e ficou me deixando nervosa à toa...